“O poeta e diplomata português Vasco Graça Moura estava além do meio do caminho de sua vida quando se lançou numa empresa, literalmente, dantesca. Aceitou a incumbência de traduzir “”A Divina Comédia””, de Dante Alighieri (1265-1321). O poeta italiano tinha 35 anos quando se encontrou numa selva escura e pouco mais de 40 quando começou a lavrar, em cem cantos e 14.233 versos, um dos clássicos da literatura. Graça Moura estava com pouco mais de 50 anos, tinha vários livros lançados e, um canto por noite, traduziu o poema em três meses. A tradução, que agora chega ao Brasil em caprichada edição bilíngüe, ganhou elogios de Luciana Stegagno Picchio, da Universidade de Roma, e deu ao tradutor uma medalha de ouro da Comuna de Florença, na Itália, onde Dante nasceu.
A capa do livro traz, lado a lado e com igual peso, os nomes do autor e do tradutor. Absurdo? Longe disso. A tradução de uma obra complexa como a Comédia, mantendo a métrica, a rima e o espírito do original italiano, equivale a uma recriação. Graça Moura é, porém, o primeiro a reconhecer que uma tradução não tem a força do original.
“”Num trabalho do gênero””, disse a ÉPOCA, “”procura-se aproximar, tanto quanto possível, da versão do original. A tradução é uma foto preto-e-branco. Reconhece-se o retratado, embora saibamos que, na vida real, ele tem cor. “” É uma tradução para o português de Portugal – o público brasileiro lê autores como José Saramago com algum esforço, mas sem problemas. “”O leitor deve chegar ao poema como chega a uma obra do século XV, sabendo que é leitura complexa. Espero que não desista.”” Em Portugal, o livro tirou várias edições, medida de que os portugueses não desistiram.
No meio do caminho em nossa vida, eu me encontrei por uma selva escura… “”A Divina Comédia”” é uma das maiores viagens jamais feitas. Guiado pelo poeta latino Virgílio, Dante vai ao Inferno e depois ao Purgatório, onde encontra Beatriz, que o guia ao Paraíso. É o poema de um homem medieval ascendendo aos novos tempos, um caminho das trevas para as luzes. “”Só lucra quem se aproxima desse que é um dos patrimônios da humanidade””, pontifica Graça Moura.
Federico Megozzi”
REVISTA ÉPOCA EDIÇÃO 365