L”Arquitetura de Ferro

Estradas de ferro trazem a fragância inconfundível do século XIX e a fantasia ilusória de que a Revolução Industrial, da qual elas descedem e que tão espetacularmente exprimem, no ranger dos dormentes e na fumaça das locomotivas, iria promover o progresso social e o bem-estar econômico para todos. Doce e infundada esperança.

No Brasil até então incrustado no litoral à moda dos caranguejos nas rochas, as estradas de ferro chegam – e, diga-se, quase simultaneamente às da Europa – e passam a cumprir, de todo modo, a missão civilizadora de interiorizar o regime da monocultura. Ou seja, o café só se expandiu do Vale do Paraíba para dentro de São Paulo, no veio fértil da terra vermelha (a terra rossa dos italianos), porque possuía um trilho para escoar de volta a produção.

A San Paulo (Brazilian) Railway Company Ltd – implantada a partir de 1855 com capital e tecnologia ingleses – é o capítulo fundador do baronato do café, aquele que iria ser sustentado por calejadas mãos procedentes d””além-mar e transportadas do Porto de Santos até os rincões de Rio Claro e São Carlos, via Jundiaí (daí o futuro nome Santos-Jundiaí), a bordo dos sacudidos cavalos de aço.

O decreto imperial n° 838, de 12 de setembro de 1855, autoriza empréstimos e juros subsidiados para a obra, que traz ao palco a figura vibrante e controvertida do Barão de Mauá, Irineu Evangelista de Souza. A única malha ferroviária de expressão, até ali, era a Central do Brasil – de propriedade estatal. Mauá conseguiu com seu agente em Londres mobilizar a fortuna do Barão Lionel Rothschild, membro do Parlamento. De 1860 a 1867, o ramal número 1 completou-se, apesar do desafio escarpado da Serra do Mar. Mauá, falido por outras desventuras, não pode usufruir os benefícios de um negócio que no entanto, ampliação aqui, modernização ali, sempre sangrou os investimentos.

“”Café, Ferro e Argila””, do arquiteto e urbanista Fábio Cyrino (Landmark, 240 págs), prefere acompanhar a saga da San Paulo Railway pela análise da arquitetura que a ferrovia foi salpicado, com padrão inconfundível, ao logo da ferrovia – e cujo exemplo mais eclético e mais requintado é a Estação da Luz, em São Paulo, recentemente reintegrada à sua cor original.

O redesenho feito a partir de 1915 (e que está nos croquis acima) obedece aos traços decô do arquiteto francês Victor Dubugras, figurinha carimbada dos logradouros da metrópole antiga, criador do Trianon, da praça Buenos Aires e do parque do Anhangabaú. Só faltou, para conferir o definitivo toque de europeidade, aquele luxuoso restaurante “”Train Bleu”” que existe ainda hoje em Paris, na eclética Gare du Nord.”

REVISTA CARTA CAPITAL