“Por Eduardo Lanius William Shakespeare, Jane Austen e Charles Dickens são, de acordo com a apreciação pessoal do crítico literário norte-americano Harold Bloom, os três escritores do cânone inglês imunes ao declínio da leitura autêntica. O lançamento de uma edição bilíngüe do último romance concluído de Austen (1775-1817) é um momento oportuno para o público brasileiro tomar contato com uma das autoras máximas de prosa de ficção universal, no livro que, aliás, é o preferido de Bloom dentre os seis completos que assinou (os demais entre os quais se contram “”The Watsons”” e “”Sandition”” são fragmentários). “”Persuasão”” (Landmark, tradução de Fábio Cyrino, 206 páginas, R$ 31,50), esgotado no país há cerca de dez anos, sucedeu, em termos cronológicos, o aparecimento de “”Razão e Sentimento”” (1811), “”Orgulho e Preconceito”” (1813) e “”A Abadia de Northanger”” (1818, póstumo como “”Persuasão””, ambos acolhidos sob um mesmo volume). “”Persuasão”” não foge muito, em estrutura narrativa e ambientação social, à restante bibliografia de Austen, embora seja perceptível um acento sombrio que não participa de obras famosas, como “”Razão e Sentimento”” e “”Orgulho e Preconceito”” (nem no habitual tom satírico, diga-se de passagem). Na trama sir Walter Elliot é um viúvo de meia-idade que vive no Solar de Kellynch, em Somersetshire, cheio de dívidas e preocupado em economizar, sem, contudo, perder a dignidade aristocrática e o bom nome de que desfruta na sociedade local. Pai de três filhas – Elizabeth, de 29 anos, bonita e autoconfiante, de quem é mais próximo, Anne de 27 anos, elegante e doce, embora nunca ouvida pelos outros, e Mary de 26 anos, a única casada – e cercado de alguns amigos, ele necessita, embora hesite a princípio, alugar a propriedade de Kellynch e mudar-se para uma residência menos dispendiosa. Mas é Anne, a “”encarnação da ternura”” segundo palavras do narrador, quem ocupa o centro de interesse, por força de um amor passado que ressurge, o capitão Frederick Wentworth. O enredo do romance pouco importa em Austen, como de resto, em boa parcela do que se produz em narrativa de fabulação. Chama a atenção a cuidadosa movimentação pela camada social que escolheu registrar, toda a gama de preceitos de conduta que é preciso observar entre os sexos, os tipos característicos que soube conceber. Anne Elliot, ainda que não se compare em luz própria a Emma Woodhouse (de “”Emma””) e Elizabeth Bennet (de “”Orgulho e Preconceito””), é uma heroína de muito valor, na linha das personagens vívidas que sabem se impor sem que sejam ostensivas. Merece um estudo à parte o fato de que domina a cena sem aparecer excessivamente, ou seja embora por vezes soe apagada, está no foco dos acontecimentos e é sobretudo o destino da jovem Elliot solteira que interessa a quem acompanha as peripécias de “”Persuasão””. Pode-se objetar contra o final simplificador e um tanto esquemático dos capítulos de encerramento, mas a composição sedutora de Austen decerto não há de decepcionar nem os mais exigentes.”
JORNAL DO COMÉRCIO DE PORTO ALEGRE