“Os 200 anos da publicação de Razão & Sensibilidade nos lembram que a autora nunca saiu de moda
Schneider Carpeggiani
Seleta: Livros de Jane Austen lançados pela Editora Landmark no Brasil em edição bilíngue
Jane Austen (1775-1817) parece que vai bem com tudo. Pura, on the rocks, misturada a zumbis, a roteiros adolescentes ou flambada no açúcar cristalino dos guias sentimentais. Em 2011, são lembrados os 200 anos do seu romance Razão & Sensibilidade. Mas efemérides não são necessárias para que seu nome se mantenha em evidência. “”Sua literatura é uma espécie de pilar que sustenta muitas obras de hoje. Se você reparar, vários filmes e livros se inspiram nas suas tramas””, aponta Luciana Campelo, sócia recifense da Jasbra (Jane Austen Sociedade do Brasil), fundada há quatro anos. A “”janeite”” (como são conhecidas as fãs da escritora inglesa) tem razão. Basta uma rápida pesquisa online para perceber a atualidade da sua influência.
A best-seller norte-americana Beth Pattillo publicou ano passado o curioso “”Jane Austen ruined my life”” (inédito no Brasil). A trama é o velho jogo de esconde-esconde em busca do amante ideal: mulher vê seu casamento perfeito ir por água abaixo, contrariando toda sua crença em finais felizes. Finais felizes esses que ela aprendeu a crer graças às contantes releituras de clássicos “”austeanos”” como Razão & preconceito . “”E agora, Jane Austen?”” – pergunta o livro. E por falar no romance que relata as agruras e o paraíso do casal Elizabeth Bennet e Mr. Darcy, ele recebeu uma releitura trash de Seth Grahan-Smith e virou “”Orgulho, preconceito & zumbis””. O enredo é insólito: os bailes de luxo da Inglaterra do século 19 são invadidos por morto-vivos bem, hummm, vivinhos! Esses dois títulos são apenas a ponta do iceberg das constantes interpretações que a autora vem recebendo.
O cinema também é pródigo em se inspirar na inglesa. Nos anos 1990, a comédia “”As patricinhas de Beverly Hills”” atualizou com caprichado glacê pop a história da cupido serial que é a personagem Emma. Há pouco, o filme “”Clube de Leitura de Jane Austen”” mostrou por que as “”janeites”” podem até sofrer com as agruras do amor, mas do jogo de relacionamentos elas entendem (ao menos na teoria). Na saga Crepúsculo, o vampiro boa-praça Edward Cullen é leitor de Jane Austen. E isso sem falar nas constantes adaptações “”sérias”” do legado austeano.
O que essas histórias sobre mulheres “”aprisionadas”” em salas de estar e no joguete dos bailes da sociedade têm para despertar tamanho fascínio? Muito simples (se é que podemos lança mão dessa palavra em se tratando de literatura): seus personagens são seres contraditórios (pessoas fraturadas entre orgulho e preconceito, entre razão e sensibilidade), mesquinhos e divididos entre o que gostariam de fazer e o que “”precisam”” ser para continuar trafegando em paz pelas mesmas salas de estar e bailes de sempre. Nada muito diferente do que você vê hoje por aí, certo? Lembramos aqui outra vez a frase da “”janeite”” Luciana Campelo: Jane Austen é um “”pilar””. Pilar esse que abriga alguns dos arquétipos básicos da literatura.
Nas suas memórias “”Lendo Lolita em Teerã””, a professora iraniana Azar Nafisi escreveu sobre como a leitura de Jane Austen lhe ajudou a entender a ditadura que tanto sufoca as mulheres do seu país. Na sua leitura de “”Orgulho e Preconceito””, ela aponta o quanto o jogo social da dança dos bailes é uma metáfora de como se movimentam os personagens da inglesa. Darcy e Elizabeth, por exemplo, são indíviduos privados, colocados em lugares públicos. Seus desejos por privacidade e reflexão estão continuamente se ajustando à sua situação dentro de uma comunidade muito pequena, que os mantêm sob constante escrutínio. O equilíbrio entre o público e o privado é essencial a esse mundo. E é na pista de dança que essa busca (ou esse embate) por equilíbrio fica visível.
“”O ritmo para trás e para frente da dança se repete nas ações e é nos movimentos dos dois protagonistas, em todno dos quais a trama é criada. Eventos paralelos os aproximam e depois os afastam. Ao longo de todo o romance, Elizabeth e Darcy se movem constantemente tanto na direção do outro como na direção oposta. Cada vez que se movem para a frente, o terreno é preparado para o movimento seguinte. Todo movimento para trás se segue por uma nova avaliação do movimento anterior que os aproximara. Existe um toma-lá-dá-cá na dança, uma constante adaptação para as necessidades e os passos do parceiro””, aponta Azar Nafisi.
Na terça-feira, a reportagem do JC reuniu num dos shopings o braço pernambucano da Jasbra, para discutir a alquimia do discurso de Jane Austen. A advogada Luciana Darce revelou que, muitas vezes, é alvo da curiosidade alheia, que não entende sua devoção literária. “”Muita gente me pergunta “”De novo lendo Jane Austen?””. As pessoas não percebem que ela foi a porta para que eu conhecesse a literatura inglesa que é maravilhosa. Fico irritada quando as pessoas acham que Jane Austen é literatura de mulherzinha. Isso é coisa de quem nunca leu os seus livros””, defende Luciana.
A técnica em enfermagem Raquel Souza ingressou no mundo de Jane Austen graças ao seu fascínio pelo Mr. Darcy. “”Na verdade, eu me apaixonei pelo Colin Firth primeiro, quando ele interpretou o Mr Darcy. Depois fui acompanhar tudo o que ele fez e, a partir daí, comecei a ler a obra de Jane Austen””. Mr. Darcy, inclusive, é uma unanimidade entre as fãs, que se dividem na hora de eleger seus clássico “”austeano”” favorito. Quando questionadas se todas são apaixonadas pelo protagonista de “”Orgulho e Preconceito””, um sonoro “”sim”” em conjunto veio como resposta.
A secretária Luciana Campelo revela que muitos dos encontros do grupo é feito pelo MSN ou via Orkut, mas já está marcando reuniões presenciais para discutir o aniversariante “”Razão e Sensibilidade””. O plano é que o encontro bienal da Jasbra aconteça em junho no Recife. No Brasil, a sociedade é formada por cerca de 50 sócios. Homens também são bem-vindos, para acabar com essa história de que Jane Austen é coisa de “”mulherzinha”” (e se fosse, qual o problema?)”
JORNAL DO COMMERCIO (PE)