“Eduardo Lanius
A voga da ficção protagonizada por escritores do passado parece longe de ter fim. Depois de Giulio Leoni reviver Dante Alighieri em “”Os Crimes da Medusa””, Matthew Pearl se servir do autor de “”O Corvo”” em “”A Sombra de Allan Poe”” e Louis Bayard igualmente utilizá-lo como personagem em “”O Pálido Olho Azul””, é a vez de Oscar Wilde (1854-1900) ficar sob os holofotes. O criador de “”A Importância de Ser Prudente”” e “”Salomé”” está no centro de “”Oscar Wilde e os Assassinatos à Luz de Velas”” (Ediouro, tradução de Débora da Silva Guimarães, 304 páginas, R$ 49,90), de Gyles Brandreth, lançado no mesmo momento em que uma reedição do único romance de Wilde volta ao mercado brasileiro. “”O Retrato de Dorian Gray”” (Landmark, tradução e notas de Marcella Furtado, 240 páginas, R$ 34,00) oferece, ao contrário das demais versões disponíveis nas livrarias, o atrativo do texto em inglês ao lado do português e a íntegra do manuscrito original, publicado na revista Lippincott’s Monthly Magazine (estampado em capítulos seriados em 1890, difere bastante do que se tornou conhecido pelo público leitor no volume impresso em 1891).
“”Oscar Wilde e os Assassinatos à Luz de Velas”” é um romance policial redigido de maneira bem convencional, na linha dos best-sellers citados (é possível propô-los quase todos dentro de um rótulo “histórico-cultural”, retomada epidérmica e quase cinematográfica de um subgênero de narrativa que já deu, em seus melhores dias, “”A Obra em Negro””, de Marguerite Yourcenar, e que desaguou, em seus piores instantes, em “”O Código Da Vinci””, de Dan Brown, emblemático dessa vertente esquemática e pronta para consumo imediato). Robert Sherard, amigo de Wilde, registra a aventura pela qual o escritor irlandês passou meio século antes e que, na condição de pessoa próxima, testemunhou. Sherard faz as vezes de John Watson, o amigo de Sherlock Holmes que lhe deu fama ao funcionar como “biógrafo”. Arthur Conan Doyle, o legítimo “pai” de Holmes, é outro dos tipos a frequentar a narrativa longa de Brandreth, que explora a morte brutal de um garoto de programa e a investigação que se segue – Billy Wood, o rapaz, era pupilo de Wilde, que, em respeito a sua memória, toma para si a tarefa de descobrir o que houve.
“”O Retrato de Dorian Gray”” é o item mais difundido de uma bibliografia que contempla, além deste romance, poesia, conto, ensaio e, claro, as peças que celebrizaram Wilde (O Leque de Lady Windermere, Uma Mulher Sem Importância, Um Marido Ideal e A Importância de Ser Prudente tiveram montagem no mundo inteiro). Visto como último exemplar de romance gótico, conta a história de Dorian Gray, jovem de traços perfeitos cujo retrato, pintado soberbamente por Basil Hallward, começa a envelhecer à medida que os anos transcorrem – e mostra cada vez mais as torpezas de um caráter que, fisicamente, preserva o frescor dos melhores dias. Gray, em uma espécie de pacto de Fausto, mantém a jovialidade, mas o retrato, que guarda escondido, espelha sua face real. Alguns dos aforismos luminosos de Wilde podem ser rastreados na urdidura do romance, de “escolho meus amigos pela boa aparência, meus conhecidos pelo caráter e meus inimigos pela inteligência” a “apenas as pessoas superficiais não julgam pela aparência – o verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível”.
Cem anos após seu falecimento, Wilde desperta o mesmo encantamento que seduziu gerações. É bem provável que o uso reiterado da frase de brilho fácil não obtenha o desejado efeito, como uma piada muito repetida não atinge o espectador do jeito que se gostaria. “”O Retrato de Dorian Gray””, feitas essas ressalvas, é puro Wilde, inteligente e espirituoso, simbólico e cheio de humor. Já “”Oscar Wilde e os Assassinatos à Luz de Velas”” faz parte de um filão aproveitador, em que pouco se salva (a exceção é “”O Nome da Rosa””, de Umberto Eco, que combina erudição, reconstituição histórica e intriga policial). O Wilde de Brandreth soa artificial, tanto nas passagens em que “encarna” Sherlock Holmes quanto na sem-cerimônia com que trata Conan Doyle (um “melhor amigo de infância” em tempo recorde). O tom é falso, algo problemático para uma ficção que precisa ser verossímil para convencer. A propósito: em 2009, estreará nos cinemas uma nova adaptação de “”O Retrato de Dorian Gray””, com direção de Oliver Parker e estrelado por Ben Barnes, Colin Firth e Fiona Shaw. ”
JORNAL DO COMMERCIO DE PORTO ALEGRE (RS)