“No centenário de morte de Bram Stoker, o criador do Conde Drácula, chega às livrarias a edição do livro com capítulo retirado do original. O vampiro também recebe novas versões no cinema e na tevê

Há muitos casos na literatura em que o autor é imediatamente relacionado a um livro ou a um personagem. É quando criatura e criador se tornam inseparáveis. O nome do irlandês Bram Stoker é sempre acompanhado de Drácula (1897), sua obra mais conhecida. O autor morreu em abril de 1912, há pouco mais de 100 anos. Mal viu seu monstro ganhar vida, no século 20, como um dos personagens mais reconhecíveis da cultura pop. O vampiro-modelo inspirou relançamento do romance, pela editora Landmark, em edição bilíngue (inglês e português) e com acréscimo de um primeiro capítulo retirado por Stoker da publicação original.

O convidado de Drácula só apareceu em versão póstuma, em 1914. E por que Stoker decidiu não publicar? Para Maurício Muniz, coautor de Vampiros na cultura pop (editora Europa) com Manoel da Silva, um dossiê sobre as metamorfoses dos sedutores devoradores de sangue, o trecho não seguia o desenvolvimento narrativo do livro, contado em cartas, diários e relatos de viagem escritos pelos personagens. “É quase um conto. Na minha opinião, difere do estilo do livro. Me parece um rascunho do que seria o começo da história”, diz o jornalista.

Neste fragmento “censurado”, um viajante inglês — que pode muito bem ser Jonathan Harker, o advogado que vai acertar a mudança de Conde Drácula para a Inglaterra, no primeiro capítulo original — toma uma carruagem em Munique para dar um passeio. Com o sol ainda brilhando no céu, o britânico começa a notar pequenos e sérios alertas às escondidas sobre a noite que já se aproxima. O estrangeiro desconhece a tal Walpurgisnacht (“Noite de Santa Valburga”), festa pagã que tenta afastar, no silêncio da noite, a visita de espíritos malignos.

O sombrio anfitrião

O inglês insiste em seguir por um caminho vago, afugenta o cocheiro e logo se vê a pé, diante de um vale. Ele dá de cara com o túmulo da condessa Dolingen, uma vampira que, por um momento, é libertada de seu sono profundo. O que se segue é difuso e o homem, atormentado por ruídos e visões sobrenaturais, fica sob o domínio de um lobo gigante. Desperta horas depois, já no hotel, com um telegrama amistoso de Drácula.

O segmento serve quase como um prefácio ao início da história propriamente dita, em que Harker parte para o castelo de Drácula, o cliente que planeja estender sua eternidade em Londres, então o centro econômico e industrial do planeta. “Na época, foi visto como um livro escandaloso. Mas isso ajudou na divulgação dele. O livro era também sobre uma mulher inglesa (Mina Murray, noiva de Harker), de família tradicional, que era arrebatada por um estrangeiro. Era bem a ideia xenófoba da época na Inglaterra, que via tudo o que vinha de fora como ruim. Era exótico e perigoso”, explica Muniz.

O Drácula como personificação do vampiro alimentou uma porção de características que surgiram bem depois do livro de Stoker. “A estaca de madeira, por exemplo. E o Drácula saía durante o dia. E tem gente que diz que o livro é uma história de reencarnação da amada do conde. O vampiro sempre foi muito popular. É diferente do zumbi, por exemplo, que sempre foi relacionado ao trash. O vampiro tem um ar aristocrático. E como o Drácula já está em domínio público, ninguém precisa pagar nada para usá-lo. E o pessoal vai cada vez mais ordenhando a história”, diz o pesquisador.

DRÁCULA: UMA HISTÓRIA DE MISTÉRIO De Bram Stoker. Edição bilíngue (inglês e português), com o capítulo O convidado de Drácula, retirado da edição original e publicado pela primeira vez em 1914. Tradução: Doris Goettems. Landmark, 432 páginas. R$ 37.

Adaptações recentes

Stoker foi quem escreveu a primeira adaptação teatral de Drácula, montada apenas uma vez, no Lyceum Theatre, em Londres. O autor não poderia imaginar a quantidade de versões — mais de 200 — que o vampiro inspiraria no tablado, no cinema e na tevê após a sua morte, em 1914. Grandes intérpretes deram rosto ao monstro, como Bela Lugosi (Drácula, 1931), Christopher Lee (1958) e Gary Oldman (1992). A estreia na tela grande foi em 1922, no filme alemão Nosferatu, de F.W. Murnau. Por conta de problemas com o espólio literário, em posse da esposa do escritor, elementos essenciais foram mantidos, mas o personagem teve seu nome mudado para Conde Orlok. Veja ao lado as próximas adaptações e a previsão de estreia:

O que vem por aí

Hotel Transilvânia — 5 de outubro : Genndy Tartakovsky, diretor conhecido de séries animadas como O laboratório de Dexter e Samurai Jack, faz sua estreia em longas, narrando uma espécie de paródia de Drácula. Aqui, ele é proprietário de um resort no meio do nada e vê seu isolamento ameaçado quando um garotinho se apaixona por sua filha.

Drácula 3D — 19 de outubro : Exibido em sessão de meia-noite no Festival de Cannes, o título é dirigido pelo italiano Dario Argento, mestre de fitas de terror como Suspiria (1977). O alemão Thomas Kretschmann (Blade 2) encarna o vilão. Asia Argento (Go go tales), a provocante filha do cineasta, vive Lucy, a melhor amiga de Mina Murray.

Saint Dracula 3D — 23 de novembro nos EUA : O vampiro, interpretado por Mitch Powell, se enamora por Clara (Patrícia Duarte, brasileira que vive na Inglaterra há 10 anos), uma jovem freira. A paixão é seriamente ameaçada pelo Vaticano. Produção dos Emirados Árabes, dirigida pelo indiano Rupesh Paul. Quer mais? Atualmente, ele trabalha numa trilogia (em 3D) inspirada em Kamasutra. Cheiro de bizarrice no ar.

Drácula (série) — Em 2013 : O irlandês Jonathan Rhys Meyers (Match point) protagoniza seriado de 10 episódios encomendado pelo canal NBC. Situados no fim do século 19, os capítulos apresentam um Drácula portando-se como um empresário americano em Londres, usando o embuste para disfarçar seu plano de vingança. Deve estrear no ano que vem.

Por Felipe Moraes”JORNAL CORREIO BRAZILIENSE