“Por Carlos Augusto Viana, Editor

Um primor de edição: bilíngue, capa dura, com diagramação singular para as duas versões dessa narrativa

A fabulação do romance Bel-Ami, de Guy de Maupassant, gira em torno da atmosfera por que, em geral, orientaram-se as narrativas realistas: a partir de um agudo senso de observação dos movimentos cotidianos – gestos, atitudes, juízos de valor -, o autor, com traços fortes, pincela a cena em que se cosem as relações sociais, visando, assim, à captação dos motivos interiores, dos objetivos velados – motivadores estes dos comportamentos sociais. Desse modo, a tudo cabe uma explicação objetiva e, em termos da condição humana, nada, portanto, é absolutamente gratuito.

O foco

A condução da trama se dá em terceira pessoa; desse modo, um narrador, onisciente e onipresente, põe o seu olhar não só em aspectos banais, quer de personagens, quer do próprio cenário, uma vez que, através do recurso expressivo do discurso indireto-livre, penetra na intimidade das personagens, descortinando as razões de determinados procedimentos. Há, também, um gosto pela valorização de detalhes, de minúcias, indispensáveis para a composição da ambiência burguesa por onde circulam as personagens e os seus secretos motivos. Nada foge à perspicácia do narrador: “”O corrimão era uma maravilha em ferro forrado, cuja velha douração apagada fazia correr um brilho discreto ao longo dos degraus de mármore vermelho””. Registra, inclusive, o artificialismo das festas em que meninas, dividas em dois blocos – um rosa, outro azul – entregam flores de acolhimento às damas convidadas.

A trama

O protagonista, Georges Duroy, sabe, desde cedo, que, para o sucesso da vida social, é necessário, antes de tudo, desenvolver as artes da dissimulação, escondendo a verdadeira identidade sob uma forte máscara de gentilezas e de desinteresses. Circula, essencialmente, por entre dois corredores: o da política e o da alta sociedade, ambos sob o olhar preciso da Imprensa. Assim, através de seu aparência de homem culto, educado, envolve-se com mulheres ricas que lhe facilitam o contato com as mãos que manipulam os cordéis do poder. Ambicioso e sedutor, ele vê o amor apenas como um verniz a cobrir o que realmente conta: a ascensão social, o domínio econômico, as rédeas do poder. A maneira como compreende o mundo se sedimenta na máxima: “”Para um bom gato, um bom rato!””. E, assim, segue o seu caminho, sendo frívolo com os frívolos; e grave, com os que o são.

Recursos expressivos

Esse romance une dois elementos que, por certo, contribuíram para a sua inscrição definitiva no mapa da literatura mundial: a apreensão do que é perene à natureza humana – vaidade, ambição, egoísmo, manipulação, fingimento, as fronteiras entre a essência e a aparência – e o retrato preciso, irônico e sarcástico da vida social, marcada pela distância imposta entre o modo de agir das pessoas e as suas crenças mais íntimas.

Conclusão

A vida social parisiense surge, em todo o seu frenesi, por volta do último quartel do século XIX. O leitor frequentará, ao lado das personagens, as redações de jornais, os gabinetes da política, os cafés, as sorveterias, os grandes salões que faziam, assim, da vida uma – aparente – festa. “JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE